quarta-feira, 20 de maio de 2009

Balanço Geral da Pré-Confecom

19 de maio de 2009

Evento destacou a urgente necessidade de democratizar o sistema de comunicação brasileiro


De quarta até sexta-feira da semana passada [13 a 15/05], a Escola Sindical Sul, em parceria com as CUT’s Paraná, Santa Catarina e Rio Grande Sul, promoveu a Pré-Conferência Regional Sul de Comunicação [Pré-Confecom]. A atividade aconteceu na sede da Escola, em Florianópolis-SC, e contou com palestras de importantes intelectuais de esquerda e militantes de organizações que lutam pela democratização da comunicação no Brasil.
O público foi composto por mais de cinquenta pessoas, entre dirigentes sindicais, assessores de comunicação, militantes de movimentos sociais, e representantes de transmissoras comunitárias, todos da Região Sul.

Durante os três dias de evento ocorreram exposições com o doutor em psicologia Pedrinho Gaureschi; o coordenador executivo da rede Abraço [Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária], José Soter; o professor da Universidade de São Paulo e pós-doutor pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Londres, Bernardo Kucinski; o jornalista, sociólogo e diretor da Federação Nacional dos Jornalistas [Fenaj], José Torves; a diretora executiva nacional da campanha “Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, Cláudia Cardoso; o coordenador da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão [Fitert], Nascimento Silva; o diretor da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações [Fittel], Juan Sanches; e o professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina, Carlos Locatelli.

A Pré-Confecom se propôs a formular uma estratégia coletiva para intervir no processo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação [Confecom – 01 a 03/12 – Brasília-DF], com debates sobre os temas da agenda do setor, políticas públicas para a comunicação e o papel da CUT e do movimento social na Conferência. Confira a síntese das discussões e as propostas retiradas durante a atividade.

1º Dia [13/05]
O desafio da participação na Conferência – Comunicação e Transformação Social: direitos humanos e desenvolvimento
Este painel aconteceu na manhã do primeiro dia da Pré-Confecom e contou com exposições de Pedrinho Guareschi [UFRGS] e José Sóter [Abraço]. Guareschi começou sua exposição despertando a reflexão do público presente. “Da dominação do saber nascem todas as outras dominações. Daí a importância da Confecom, de se propor a democratizar os meios de comunicação e o conhecimento. Há mais de dez anos debatemos a necessidade de realizá-la, e quase não saiu porque não interessa aos donos da mídia”. Pedrinho ainda analisou as mudanças comportamentais da sociedade contemporânea. “Kant dizia que o tempo, espaço e distância era a priore do ser humano. Atualmente isso mudou. O tempo é o agora, a realidade é o agora, o ontem não interessa mais. Há um novo sentido de público e privado. Público é onde existe o olho grande da mídia, e o privado é aquilo que não é midiado. E a mídia só transmite aquilo que lhe interessa, sobretudo no que se refere a valores econômicos e controle de opinião pública, mas as principais pautas e agendas são ocultadas. A Conferência que tem se dar conta do que tudo isso acarreta. Tem gente lucrando muito, em detrimento do interesse coletivo”.

Acerca do debate estratégico da Confecom, Guareschi foi incisivo. “Será o da propriedade privada dos meios de comunicação. Se alguém detém os meios, acabou-se a liberdade do cidadão. Por isso precisamos de uma Conferência de Comunicação”.

O diretor da Abraço chamou a atenção para a priorização da comunicação como instrumento fundamental para a conquista da hegemonia. “Temos grandes entidades, com recursos, que não investem em comunicação. Há que se ter clareza que para democratizar os meios é preciso conteúdo de qualidade, e isso não se dá de graça, necessita de investimento. Caso contrário, perderemos a guerra da comunicação”. José Sóter disse ainda ser fundamental utilizarmos os meios de comunicação que temos para mobilizar todos os movimentos sociais, organizados ou não, para debater a comunicação e intervir na Conferência. “É na Confecom que vamos falar de qual sistema de comunicação queremos para a sociedade que almejamos”.

Construindo um sistema público de comunicação – O papel das políticas públicas
Ainda no primeiro dia de Pré-Confecom, mas no período da tarde, Bernardo Kucinski [USP] e José Torves [Fenaj] discorreram acerca do tema “Construindo um sistema público de comunicação – O papel das políticas públicas”. Antes de abordar o assunto, o professor Kucinski denunciou a exacerbação ideológica dos grandes meios de comunicação, citando o caso dos "jornalões" que, ao saírem no dia seguinte às notícias, "com pelo menos oito horas de atraso", trazem cada vez menos informação e mais interpretação. "No Brasil, o problema se agrava, pois temos uma mídia altamente concentrada, oligárquica", assinalou Kucinski, frisando que "o golpismo é uma síndrome desta mídia, cuja poderosa articulação traz risco à democracia". Exemplificando, o professor lembrou como os grandes meios acabam reproduzindo a mesma visão de mundo, colocando-se no campo oposto ao do interesse nacional e popular: "estão todos contra o Mercosul, contra o Programa Bolsa Família e o Pré-sal, é como se tivessem um comando supremo da burguesia, o que tem um efeito muito pernicioso para a democracia". Da mesma forma, disse, a nível local, nos pequenos municípios, a "ética da malandragem" se reproduz, convertendo-se numa cultura dominante nos meios, "o que é muito grave".

Entre as iniciativas que necessitam ser implementadas, defendeu Kucinski, encontra-se a criação de um sistema de distribuição de revistas pelos Correios, que é estatal, "para combater o monopólio no terreno comercial", um "plano agressivo de inclusão digital, utilizando os recursos do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que nós já pagamos nas nossas tarifas de telecomunicações" e o imediato recadastramento das rádios e televisões, com o governo assegurando que se cumpra a lei, disciplinando de uma vez por todas as concessões públicas. Além destas medidas, o professor ressaltou a importância da pressão popular para que haja investimento do governo na imprensa alternativa, comunitária, estatal e pública, a fim de que se possa fazer um contraponto real e eficiente "ao mimetismo do sistema dominante".

Por sua vez, José Torves analisou a democratização das verbas publicitárias e a necessidade de priorizar o financiamento de meios alternativos à mídia mercantil, para que haja investimento na diversidade e pluralidade. “Precisamos consolidar nossas posições para confrontar os valores do sistema capitalista, para dar-lhe enfrentamento também na superestrutura, no ideológico. Hoje, esta é uma realidade distante, pois apenas oito famílias dominam a comunicação no país", declarou o dirigente da Fenaj, expressando que esta concentração absurda e absoluta vai tolhendo a possibilidade da crítica. Torves citou o projeto de cotas de produção regional, apresentado pela deputada Jandira Feghali [PCdoB], e que está engavetado na Câmara, como "uma das iniciativas a serem resgatadas" como proposta para a Conferência Nacional de Comunicação. "A diversidade tem que estar contemplada", enfatizou.

Outro ponto importante na avaliação de Torves é a garantia de uma legislação de fiscalização dos grupos de comunicação, citando o caso da RBS (Rede Brasil Sul de Comunicações) com suas 22 estações de TV - quando a lei permite apenas 3 - e 25 emissoras de rádio. "Sem falar na péssima qualidade da informação e da programação das emissoras do país, que não cumprem os pré-requisitos fundamentais para uma concessão pública", acrescentou o dirigente da Fenaj.

Atividade Cultural
LIVRO - Como atividade cultural da pré-Conferência, foi lançado o livro Bolívia nas ruas e urnas contra o imperialismo (Editora Limiar, 110 páginas, 2ª edição), do assessor da CUT Nacional e editor do jornal Hora do Povo, Leonardo Wexell Severo, que aborda a manipulação dos meios de comunicação, a serviço das transnacionais e do capital financeiro contra a democracia na Bolívia e a integração latino-americana. De acordo com o secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, que faz o prefácio do livro, os textos foram colhidos no calor dos acontecimentos em meio aos conflitos em Tarija, La Paz e Santa Cruz de la Sierra - quando a direita tentou depor Evo Morales em 2008 -, "representando uma importante contribuição para que se possa avaliar a riqueza do processo em curso nesse país irmão, reforçando a necessidade da mobilização em solidariedade ao povo e ao governo bolivianos".

FILME - Na oportunidade também foi exibido o filme "Arriba los de abajo - crónica de un pueblo em lucha", produzido pela Secretaria de Relações Internacionais da CTA (Central de Trabalhadores da Argentina). Dirigido por Mariano Vásquez e Lúcia Martin, o documentário mostra como em poucos anos de revolução democrática e cultural, "a Bolívia tem colocado abaixo os cimentos coloniais, neoliberais e imperialistas que a aprisionaram ao longo de séculos. Esta construção se concretizou no povo, nos movimentos sociais e na liderança indiscutível de Evo Morales Ayma".

2º Dia [14/05] – Oficinas - Desafios
Convergência Tecnológica, Digitalização e Mídia Eletrônica
Na manhã do segundo dia de Pré-Confecom uma mesa redonda, com características de oficinas, debateu os desafios colocados às organizações populares na conjuntura de constantes mudanças tecnológicas na área da comunicação. O jornalista e professor do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina [UFSC], Carlos Locatelli abordou a temática convergência tecnológica. Para ele, o avanço tecnológico, nos moldes atuais, reforça o capital. “A convergência tecnológica quase sempre potencializa quem detém o poder. Ela vai beneficiar os que têm mais condições de se apropriar dela. E tudo isso está relacionado à globalização. A maioria das novas tecnologias do setor vem de fora. Esse mercado internacional da comunicação passa por fortes mudanças constantemente. O capital, por sua vez, só está interessado na reprodução de suas cifras, e, por isso, viu no mercado midiático um grande negócio e passou a atuar no ramo. Diante disso, é necessário pensar para o Brasil um sistema de comunicação a partir da sua função social, inclusive com o controle da sociedade”, apontou. Ainda de acordo com Locatelli, o movimento social deve construir e disseminar um discurso a partir do direito à informação para avançar na democratização dos meios.

Telecomunicações
A mesa continuou com a intervenção do engenheiro eletrônico e dirigente da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações [Fittel], Juan Sanches. Ele começou sua fala questionando os participantes. “Quantos aqui sabem que nos dias 21 e22 de maio a Anatel vai realizar uma audiência pública aqui em Florianópolis sobre o Plano Nacional de Outorgas em Telecomunicações? Enquanto isso só permanece numa pequena chamada, as grandes empresas do setor, como Oi, Vivo, entre outras, fazem a festa. Temos que perceber que telecomunicações também fazem parte do debate de comunicação. As empresas transformam o recurso natural, que é o espectro eletromagnético por onde passam as informações, em bem privado. Ninguém pode ser dono, tem que haver concessão, mas deve servir para o benefício social. O problema fundamental da comunicação é a propriedade privada”, resumiu.

Radiodifusão e Rádios Comunitárias
O coordenador da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Radiodifusão [Fitert], Nascimento Silva, abriu a temática seguinte sobre radiodifusão e rádios comunitárias. Em sua exposição, endossou a fala anterior. “Muita gente acha que o debate sobre a comunicação só interessa aos profissionais do setor. Ledo engano, ele interessa a toda sociedade, porque hoje os donos de rádio acham que são donos do sinal, quando na verdade ele é de toda população”. Sobre a Confecom, Nascimento revelou uma preocupação. “É agora que começam os problemas, porque antes todo mundo reivindicava a convocação da Conferência, mas e aí? O que fazer nesse momento? Acho que a soma de forças para consensuar propostas é fundamental, porque ela [a Confecom] não será encaminhada da forma que queremos. Vamos ter que brigar para avançar nas nossas reivindicações, caso contrário vamos apenas referendar posições de outros setores da sociedade”, alertou.

Ainda no painel sobre rádios comunitárias, José Sóter [Abraço], disse que não há diferenciação sobre os conceitos de público, estatal e privado nas comunicações. “Achamos que tudo o que é público é do estado. Também fica difícil definir de que forma deve atuar as emissoras privadas, pois têm, de acordo com a legislação, que prestar um serviço social para fazer jus a sua concessão pública. Temos que debater muito isso para irmos para a Confecom com embasamento. Também há a necessidade de regulamentar o funcionamento das rádios comunitárias, para que não atuem estritamente na concepção religiosa, esportiva ou comercial. É preciso garantir no pluralismo nas rádios comunitárias”.

Publicidade, Recepção e Consumo
A diretora executiva nacional da Campanha “Quem financia a Baixaria é Contra a Cidadania”, Cláudia Cardoso, palestrou sobre o tema “Publicidade, Recepção e Consumo”. De acordo com a pedagoga, o capital conseguiu transformar bruscamente a sociedade. “O capitalismo conseguiu converter o cidadão, com direito à alimentação, saúde, habitação; em consumidor, com o direito, ainda que restrito, apenas de consumir. A mídia é responsável por tudo isso, porque atualmente quando falamos em comunicação, falamos de capital. E o que o capitalismo quer em última instância é o lucro, a qualquer preço”.

Cardoso também chamou a atenção para a publicidade em rádios e TV’s. “Nos preocupamos mais com esses dois meios porque atingem a ampla maioria da sociedade. No Brasil, cerca de 80% da população se informa através da TV. Então podemos dizer que somos um país midiático. Logo, nosso papel é questionar se a produção televisiva e radiofônica não poderia ser diferente, já que tudo passa pela mídia e ela constitui nossa percepção da realidade. Assim, também é possível afirmar que o capital está criando a nossa realidade”.

Ética, Estética e Diversidades
A última palestra da manhã foi de José Torves [Fenaj]. Ele abordou o assunto “Produção de Conteúdo: ética, estética e diversidades”. Segundo ele, há uma migração da publicidade e da audiência da TV para a Internet. Sobre estética, foi incisivo: “a mídia dita a moda, o consumo e o comportamento. Temos fazer a mudança do padrão estipulado para provocar novas experimentações com as características regionais do nosso povo, a fim de promover a produção cultural regional”.

Já a respeito da estratégia do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação [FNDC] para a intervenção na Confecom, Torves afirmou que é preciso verificar os assuntos que são prioritários para cada setor e disputar com qualidade a Conferência a partir da organização e consenso dos movimentos sociais. “Vamos setorizar para avançar”, concluiu.

A estratégia da CUT e do movimento social na Conferência Nacional de Comunicação
As palestras da Pré-Confecom terminaram na tarde do segundo dia com falas da secretária nacional de comunicação da CUT, Rosane Bertotti, e de José Sóter [Abraço], sobre a estratégia que será adotada pela CUT e movimentos sociais para intervenção na Conferência Nacional de Comunicação.

Na avaliação de Bertotti, os elementos trazidos foram fundamentais para consolidar propostas para a Confecom que sejam estratégicas na disputa de hegemonia. “Uma das questões centrais é que necessitamos de instrumentos próprios para dialogar com a sociedade, para que não fiquemos reféns da mídia mercantil. Para isso, precisamos fazer um grande mutirão de debate, transformando o espaço proporcionado pela Conferência em construção, em consolidação efetiva de posições do campo popular, dos que defendem a democratização dos meios de comunicação”, explicou Rosane Bertotti.

Sóter parabenizou a CUT pela realização da Pré-Confecom e afirmou que a estratégia da Central está correta. “A CUT acerta quando foca a classe trabalhadora no debate sobre a Conferência. Agora precisamos definir nossa atuação. A Abraço está elaborando suas reivindicações em encontros Brasil afora para daí então, junto com a CUT, intervir de forma unitária na Confecom. Se não for dessa forma, com priorização da unidade dos movimentos sociais, vamos ficar atirando um para cada lado e seremos derrotadas pelos barões da mídia”, alertou Sóter.

3º Dia [15/05] – Grupo de Trabalho e Proposições
A manhã do terceiro e último dia de Pré-Confecom foi toda voltada para o trabalho em grupo e a retirada de propostas para a intervenção na Conferência. O evento apontou que há que se romper com o silêncio e instigar a sociedade ao debate sobre a real necessidade de democratizar os meios de comunicação. A CUT deve usar sua força para articular os movimentos sociais na Confecom.

Além disso, deve-se fazer alianças com os representantes políticos como forma de estratégia sobre o Poder Público. A partir dessas constatações, três dimensões precisam ser trabalhadas: 1) Princípios do sistema de comunicação brasileiro: público e com controle social; 2) Estrutural: ampliar o sistema público para alterar a estrutura, com supremacia do modelo público, não em tamanho, mas em porcentuais. 3) Questões instrumentais que podem ser moeda de troca com o capital. Ex: a regionalização da produção que já está contemplada em Lei; limitação da atuação de área em rede; controle de conteúdo; direito à informação. É imprescindível contemplar a pluralidade com unidade. O movimento deve adotar um processo de luta, informação, mobilização e negociação.

O grupo de trabalho apontou para a ampliação do debate nas Comissões Estaduais Pró-Conferência sobre as propostas em andamento do regimento interno da Conferência, a fim de subsidiar os representantes do campo popular na Comissão Organizadora.

Outra proposta sugerida por vários participantes foi a discussão do tema nos congressos da CUT em mesa própria para envolver os trabalhadores no processo e pensar novas formas de comunicação.

Também foram colocadas as seguintes propostas: A utilização das regionais das CUT’s estaduais como instrumento aglutinador dos movimentos sociais para intervenção na Conferência; a promoção de eventos e confecção de materiais para mobilizar a sociedade civil; ocupar todos os espaços de discussão sobre a Confecom; fortalecer e ampliar as rádios comunitárias; e articular na defesa de proposta que apontem para mudança na atual estrutura e avancem na democratização.


Por Davi Macedo, assessor de comunicação da CUT-PR, com contribuições do amigo e colega Leonardo Severo - CUT Nacional

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