quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Manifestação em defesa da liberdade de imprensa reúne 300 mil pessoas em Roma

A Itália que não quer calar

Por Anelise Sanchez

Roma – O primeiro ministro italiano, Silvio Berlusconi, declarou que a manifestação a favor da liberdade de imprensa, organizada em Roma no último sábado, 3 de outubro, é apenas uma farsa. No entanto, mesmo se estivesse certo, não poderia negar que, no caso, a “farsa” é coletiva e compartilhada por mais de 300 mil pessoas.
Promovido pela Federação Nacional da Imprensa Italiana (FNSI), o evento reuniu uma multidão na famosa Piazza del Popolo. Jovens, idosos, casais com crianças, deficientes físicos e centenas de jornalistas, inclusive alguns vinculados à imprensa católica, como o jornal Avvenire e a revista Famiglia Cristiana, invadiram o centro da capital para demonstrar que o poder político italiano tornou-se intolerante às críticas. “Um cidadão não informado ou mal informado é menos livre”, lembrou Valério Onida, presidente emérito da Corte Constitucional. Uma resposta eloquente às últimas intimidações do líder do governo italiano a algumas das principais publicações do país, como os jornais La Repubblica e L’Unità, e a transmissão Anno Zero, transmitida pelo canal RAI 2.
Apresentada pelo jornalista e ex parlamentar europeu Michele Santoro, já afastado da TV estatal em 2002 junto com o veterano Enzo Biagi, ícone do jornalismo italiano, Anno Zero é alvo de novas pressões. O programa revelou-se um dos últimos capazes de recusar-se a transformar a TV pública em uma terreno fértil para interesses políticos.
Os poucos veículos de comunicação que ousaram tratar questões como o suposto envolvimento do premiê em escândalos com acompanhantes de luxo e favores políticos, ou protestar contra a lei que limita o direito dos jornalistas de divulgarem escutas e investigações policiais, hoje são levados aos tribunais e processados por difamação ou “convidados” a prestar contas junto ao Ministério do Desenvolvimento Econômico. No caso específico de Anno Zero, depois do programa que debatia sobre a liberdade de imprensa na Itália, os jornais Libero e Il Giornale, este último de propriedade de Paolo Berlusconi, irmão do premiê, promoveram uma campanha para boicotar o pagamento da assinatura anual que cada italiano paga para assistir a TV pública.
Apesar de cumprir seu terceirto mandato, Silvio Berlusconi nunca interrogou-se sobre um possível conflito de interesses entre a sua atividade política e o seu império de comunicação e mídia.
O premiê é proprietário do grupo Mediaset, detentor de três dos quatro canais de TV comerciais da Itália e da editora Mondadori. Além disso, sua influência também estende-se à TV pública, já que o conselho de administração da RAI é nomeado pelos presidentes das duas câmaras legislativas, enquanto o seu diretor-geral é indicado pelo governo nacional. Em vez de sentinela do estado de direito, seja este de direita ou de esquerda, a TV pública mostra, a cada mudança de governo, a sua permeabilidade à opressão do poder político.
Com a manifestação intitulada “Não à informação na coleira”, a FNSI demonstrou que, para uma parte significativa da população italiana, a imprensa deve ser o cão de guarda da democracia e não capacho para o poder político.
Cada manifestante encontrou um modo diferente de mostrar própria indignação. Alguns circulavam, simbolicamente, com uma mordaça, enquanto outros vestiam camisetas com a frase “agora me processe também” ou com as palavras do artigo 21 da Constituição italiana dedicado à liberdade de imprensa. “O que existe hoje na Itália é uma espécie de liberdade vigiada”, comenta o ator Neri Marcoré logo após subir ao palco para a leitura de trechos de “A democracia na América”, de Alexis de Tocqueville.
O clímax do evento foi a participação de Roberto Saviano, escritor que com o livro “Gomorra”, que denunciou os negócios dos clãs camorristas, e que hoje vive escoltado por policiais, “O que provoca medo não é o meu livro ou quem o escreveu, mas aqueles que o leem”, disse o jornalista, muito aplaudido, que também lembrou que a Itália é o segundo país no mundo, depois da Colômbia, em número de pessoas que vivem sob proteção.
Publicado no sítio da Caros Amigos www.carosamigos.com.br

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